Simulado Câmara Municipal de Belo Horizonte - CMBH | Técnico Legislativo II | 2019 pre-edital | Questão 12

Língua Portuguesa / Conhecimento da língua / Concordância verbal e nominal: aspectos gerais e casos particulares


Dona Valentina e sua dor Dona Valentina conseguiu cochilar um pouquinho. O relógio marcava quase cinco da manhã quando ela abriu os
olhos. Estava ligeiramente feliz. Sonhou com as goiabeiras de sua casa na roça; ela, menina, correndo de pés no chão e
brincando com os irmãos que apanhavam goiabas maduras no pé. Goiabas vermelhas, suculentas, sem bichos. O sonho
foi tão real que ela acordou com gostinho de goiaba na boca.
Fazia um pouco de frio porque chovera à noite, chuvinha fina, boba. Porém, dona Valentina era prevenida: levara
na sacola a capa e a sombrinha desmilinguida – mas que ainda serviam. A fila crescera durante a madrugada, e o
falatório dos que acordaram cedo, como ela, misturava-se com o ronco de dois ou três que ainda dormiam.
Fila de hospital até que era divertida – pensava ela. O povo conversava pra passar o tempo; cada um contava suas
doenças; falavam sobre médicos e remédios; a conversa esticava, e aí vinham os assuntos de família, casos de filhos,
maridos, noras e genros. Valia a distração. Mas ruim mesmo era aquela dor nos quadris. Bastou dona Valentina virar-se
na almofada que lhe servia de apoio no muro para a fincada voltar. Ui! De novo!
Dona Valentina já estava acostumada. Afinal, ela e sua dor nas cadeiras já tinham ido e voltado e esperado e
retornado e remarcado naquela fila há quase um ano. O hospital ficava longe; precisava pegar o primeiro ônibus, descer
no centro; andar até o ponto do segundo ônibus; viajar mais meia hora nele; e andar mais quatro quarteirões. Por isso,
no último mês passou a dormir na fila, era mais fácil e mais barato. Ela e sua dor. A almofada velha ajudava; aprendera a
encaixá-la de um jeito sob a coxa e a esticar a perna. Nesta posição meio torta e esquisita, a dor também dormia, dava
um alívio.
O funcionário, sonolento, abriu a porta de vidro; deu um "bom dia" quase inaudível e pediu ordem na calçada:
– Pessoal, respeitem quem chegou primeiro. A fila é deste lado, vamos lá.
Não demorou muito, e a mocinha sorridente, de uniforme branco, passou distribuindo as senhas. Todos gostavam
dela. Alegre, animada, até cumprimentava alguns pelo nome, de tanta convivência. Dona Valentina recebeu a ficha 03,
seria uma das primeiras no atendimento. Quem sabe a coisa resolveria desta vez?
– Senha número três!
Dona Valentina ergueu-se da cadeira com a ajuda de um rapaz e caminhou até a sala. O doutor – jovem, simpático –
cumprimentou-a e pediu que ela se sentasse. Em seguida, correu os olhos pela ficha, fez algumas perguntas sobre a
evolução da dor e os remédios que ela tomava. Daí, preencheu uma nova receita, carimbou e assinou:
– Olha, dona Valentina, vamos mudar a medicação, essa aqui é mais forte. Mas seu caso é mesmo cirúrgico. O
problema é que o hospital não tem condições de fazer a cirurgia de imediato. A senhora sabe: muitos pacientes, falta
verba, equipamento, dinheiro curto...
Ela sentiu um aperto no coração. E um pouco de raiva, raivinha, coisa passageira. Mas o doutor era tão simpático,
de olheiras, de uniforme amarrotado, que ela sorriu, decepcionada:
– Posso marcar meu retorno?
– Claro, claro, fala com a moça da portaria.
Dona Valentina e sua dor pegaram os dois ônibus de volta. Pelo menos a chuva havia parado, um sol gostoso
aquecia seus ombros através da janela. Fazer o quê? – pensava ela. Esperar mais, claro. Quem sabe um dia os
poderosos, os políticos, os engravatados davam um jeito no hospital? E agendavam a cirurgia? E ela se livrava da dor? E
poderia brincar com os netos, carregá-los no colo, sem a maldita fincada nas costas?
De noite, dona Valentina se acomodou no velho sofá esburacado para ver a novela – sua distração favorita que a
fazia se esquecer da dor. No intervalo, veio a propaganda: crianças sorrindo, jovens se abraçando, pessoas felizes de
todo tipo. A voz poderosa do locutor disse à dona Valentina que tudo ia muito bem, que a vida era boa, que o governo
era bonzinho, que trabalhava pelo povo acima de tudo. E que a saúde das pessoas, dos mais pobres, era o mais
importante! E que para todo mundo ficar sabendo, o governo preferiu usar a dinheirama nas propagandas em vez de
comprar remédios ou equipamentos que faltavam no hospital, por exemplo. Questão de prioridade estratégica da área
da Comunicação. O resto poderia esperar – como esperavam, dóceis e conformadas, dona Valentina e sua dor. (FABBRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/dona-valentina-e-sua-dor-1.1412175.
Acesso em: 16/12/2016.)

Acerca dos verbos sublinhados a seguir, assinale a alternativa que se DIFERE das demais.

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Fonte: ASSISTENTE ADMINISTRATIVO / Pref. Sabará/MG / 2017 / CONSULPLAN