Simulado Assembleia Legislativa do Estado do Amapá - ALEAP | Assistente Legislativo - Assistente Administrativo | 2019 | Questão 53

Língua Portuguesa / Ortografia


Seis de janeiro, Epifania ou Dia de Reis (em referência aos reis magos), fecha o ciclo natalino que, entre os romanos, festejava
o renascimento do sol depois do solstício de inverno (o dia mais curto do ano).
Era uma festa de invocação do sol, pelo fim das noites invernais. Durante esses festejos pagãos, os papéis sociais se
confundiam. Havia troca de presentes e de identidades. O escravo assumia o lugar de senhor, o homem se vestia de mulher − como
se, para agradar à natureza, tivéssemos de reconhecer a arbitrariedade das convenções culturais.
Nesse intervalo de poucos dias, o homem aceitava como natural o que por convenção as relações sociais e de poder não
permitiam. Ameaçado pelos caprichos da natureza, reconhecia que as coisas são mais complexas do que estamos dispostos a ver.
É plausível que Shakespeare tenha escrito “Noite de Reis”, segundo Harold Bloom sua comédia mais bem-sucedida, pensando
nessa carnavalização solar, para comemorar a Epifania. A peça conta a história de Viola e Sebastian, gêmeos que naufragam ao
largo do que hoje seria Croácia, Montenegro ou Albânia, e que no texto se chama Ilíria. Viola acredita que o irmão se afogou. Ao
oferecer seus serviços ao duque de Ilíria, ela se disfarça de homem, assumindo o nome de Cesário. É o suficiente para pôr em
andamento uma comédia de erros na qual as identidades serão confrontadas com a relatividade das nossas convicções.
O sentido irônico do subtítulo da peça − “o que bem quiserem ou desejarem” − dá a entender que os desejos desafiam as
convenções que os encobrem. As convenções se modificam conforme a necessidade. Os desejos as contradizem. Identidade e
desejo são muitas vezes incompatíveis.
É o que reivindica a filósofa Rosi Braidotti. Braidotti critica a banalização dos discursos identitários, uma incapacidade de lidar
com a complexidade, análoga às soluções simplistas que certos discursos contrapõem às contradições. Diante da complexidade, é
natural seguir a ilusão das respostas mais simples.
Sob a graça da comédia, Shakespeare trata da fluidez das identidades. Epifania tem a ver com a luz, com o entendimento e a
compreensão. Mas para voltar a ver e compreender é preciso admitir que as contradições são parte constitutiva do mundo. A
democracia, em sua imperfeição e irrealização permanentes, depende disso. (Adaptado de: CARVALHO, Bernardo. Disponível em: www1.folha.uol.com.br)

Está correta a redação deste livre comentário:

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Fonte: TéCNICO JUDICIáRIO - ÁREA ADMINISTRATIVA / TRF 4ª / 2019 / FCC