Simulado Tribunal de Justiça do Estado do Pará - TJPA | Analista Judiciário - Administração | 2019 | Questão 408

Língua Portuguesa / Domínio da estrutura morfossintática do período / Relações de coordenação e de subordinação entre orações e entre termos da oração


Texto 1A9AAA Estas memórias ficariam injustificavelmente
incompletas se nelas eu não narrasse, ainda que de modo
breve, as andanças em que me tenho largado pelo mundo
na companhia de minha mulher e de meus fantasmas
particulares. Desde criança fui possuído pelo demônio das
viagens. Essa encantada curiosidade de conhecer alheias
terras e povos visitou-me repetidamente a mocidade e a idade
madura. Mesmo agora, quando já diviso a brumosa porta
da casa dos setenta, um convite à viagem tem ainda o poder
de incendiar-me a fantasia.
Na minha opinião, existem duas categorias principais
de viajantes: os que viajam para fugir e os que viajam
para buscar. Considero-me membro deste último grupo,
embora em 1943, nauseado pelo ranço fascista de nosso
Estado Novo, eu haja fugido com toda a família do Brasil
para os Estados Unidos, onde permanecemos dois anos.
O que pretendo fazer agora é apresentar ao leitor, por
assim dizer, alguns diapositivos e filmes verbais dos lugares
por onde passamos e das pessoas que encontramos, tudo assim
à maneira impressionista, e sem rigorosa ordem cronológica.
Usei como título deste capítulo, dedicado a minhas
viagens, uma expressão popular que suponho de origem
gauchesca: mundo velho sem porteira. Tenho-a ouvido
desde menino, da boca de velhos parentes e amigos,
de tropeiros, peões de estância, índios vagos, gente
da rua... Minha própria mãe empregava-a com frequência
e costumava pontuá-la com um fundo suspiro de queixa.
As pessoas em geral pareciam usar essa frase para descrever
um mundo que se lhes afigurava não só incomensurável
como também misterioso, absurdo, sem pé nem cabeça...
Parece a mim, entretanto, que na sua origem essa
exclamação manifestava apenas a certeza popular de que
Deus fizera o mundo sem nenhuma porteira a fim de que
nele não houvesse divisões e diferenças entre países e povos
— gente rica e gente pobre, fartos e famintos, uns com
terra demais, outros sem terra nenhuma. Em suma, o que
o Velho queria mesmo era um mundo que fosse de todo
mundo. É neste sentido que desejo seja interpretada a frase
que encabeça esta divisão do presente volume.
Quem me lê poderá objetar que basta a gente
passar os olhos pelo jornal desta manhã para verificar que
o mundo nunca teve tantas e tão dramáticas porteiras como
em nossos dias... Mas que importa? Um dia as porteiras
hão de cair, ou alguém as derrubará. "Para erguer outras
ainda mais terríveis" — replicará o leitor cético. Ora, amigo,
precisamos ter na vida um mínimo de otimismo e esperança
para poder ir até ao fim da picada. Você não concorda?
Ô mundo velho sem porteira! Erico Veríssimo. Solo de clarineta: memórias. Porto Alegre:
Globo, v. 2, 1976, p. 57-58 (com adaptações).

Em relação ao trecho "ou alguém as derrubará" (R.44) no texto
1A9AAA, a oração ‘Para erguer outras ainda mais terríveis’
(R. 44 e 45) transmite uma ideia de

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Fonte: AUDITOR DO ESTADO / SEFAZ/RS / 2018 / CESPE_ME