Simulado Tribunal Regional Eleitoral do Pará - TRE/PA | Técnico Judiciário - Área Administrativa | 2019 | Questão 94

Língua Portuguesa / Sintaxe da oração e do período


Texto
Santinho
(Luiz Fernando Veríssimo) Me lembro com clareza de todas as minhas professoras,
mas me lembro de uma em particular. Ela se chamava Dona
Ilka. Curioso: por que escrevi “Dona Ilka” e não Ilka? Talvez
por medo de que ela se materializasse aqui ao meu lado e
exigisse o “Dona”, onde se viu tratar professora pelo primeiro
nome, menino? No meu tempo ainda não se usava o “tia”.
Elas podiam ser boas e até maternais, mas decididamente
não eram nossas tias. A Dona Ilka não era maternal. Era uma
mulher pequena com um perfil de passarinho. Um pequeno
passarinho loiro. E uma fera.
Eu era aluno “bem-comportado”. Era um vagabundo, não
aprendia nada, vivia distraído. Mas comportamento, 10. Por
isto até hoje faço verdadeiras faxinas na memória, procurando
embaixo de tudo e em todos os nichos a razão de ter sido, um
dia, castigado pela Dona Ilka. Alguma eu devo ter feito, mas
não consigo lembrar o quê. O fato é que fui posto de castigo.
Que consistia em ficar de pé num canto da sala de aula, com
a cara virada para a parede. (Isto tudo, já dá pra ver, foi mais
ou menos lá pela Idade Média.) Mas o que eu nunca esqueci
foi a Dona Ilka ter me chamado de “santinho do pau oco”.
Ser bem-comportado em aula não era uma decisão
minha nem era nada de que me orgulhasse. Era só o meu
temperamento. Mas a frase terrível da Dona Ilka sugeria que
a minha boa conduta era uma simulação. Eu era um falso. Um
santo falsificado! Depois disso, pelo resto da vida, não foram
poucas as vezes em que um passarinho imaginário com perfil
de professora pousou no meu ombro e me chamou de fingido.
Os santinhos do pau oco passam a vida se questionando.
Já outra professora quase destruiu para sempre qualquer
pretensão minha à originalidade literária. Era para fazer uma
redação em aula sobre a ociosidade, e eu não tinha a menor
ideia do que era ociosidade. Se a palavra fora mencionada
em aula tinha certamente sido num dos meus períodos de
devaneio, em que o corpo ficava ali, mas a mente ia passear.
E então, me achando formidável, fiz uma redação inteira sobre
um aluno que precisa fazer uma redação sobre a ociosidade
sem saber o que é isso, sua agonia e finalmente sua decisão
de fazer uma redação sobre um aluno que precisa fazer uma
redação sobre a ociosidade, etc. a professora chamou a
atenção de toda a classe para a minha redação. Eu era um
exemplo de quem acha que com esperteza pode-se deixar
de estudar e por isto estava ganhando um zero exemplar. Só
faltou me chamar de original do pau oco.
Enfim, sobrevivi. No ginásio, todos os professores eram
homens, mas não me lembro de nenhuma marca que algum
deles tenha deixado. As relações com as nossas pseudomães,
no primário, eram mais profundas. As duas histórias que eu
contei não têm nenhuma importância. Mas olha as cicatrizes.

Em “Era um vagabundo, não aprendia nada, vivia
distraído.” (2º§), percebe-se que as orações são:

Voltar à pagina de tópicos Próxima

Fonte: SOLDADO / Polícia Militar/PB / 2018 / IBFC