[Medo do céu]
Tenho medo de morrer e ir para o céu. Eu me sentiria um estranho por lá. A poeta Cecília Meireles pensava o mesmo. Ela se
perguntava se, “depois que se navega, a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barca, nem gaivota:
somente sobre-humanas companhias..." Também eu preciso de barcas e gaivotas, pois amo o mar e o ar.
Sou um ser deste mundo e sinto que no meu corpo moram rios, árvores, montanhas e nuvens. Nenhum mundo além poderá
consolar-me da sua perda. É certo que um espírito, por bem-aventurado que seja, não pode sentir o cheiro bom do capim-gordura
(que recém-começa a florescer roxo nos campos). Para isso ele teria de ter um nariz. E nem pode sentir o vento frio das tardes de
inverno, a lhe golpear o rosto. Ao que me parece, espíritos não têm pele. E não podem jamais sentir o prazer de mergulhar no mar.
A alegria animal está vedada aos espíritos, seres etéreos que, ao que consta, não sofrem os efeitos da gravidade. Sua leveza
os protege de quedas dos muros, mas lhes tira a alegria do mergulho na água. Saltam, e ficam flutuando no espaço. Por isso não
quero ir para o céu.
(Adaptado de: ALVES, Rubem. Tempus fugit. São Paulo: Paulus, 1990, p. 95)
No contexto, estabelecem entre si uma relação de oposição de sentido os segmentos