Simulado Banco do Brasil (BB) | Escriturário | 2019 pre-edital | Questão 294

Língua Portuguesa / Crase


Quanto nós merecemos?
Lya Luft
O ser humano é um animal que deu errado em
várias coisas. A maioria das pessoas que conheço,
se fizesse uma terapia, ainda que breve, haveria de
viver melhor. Os problemas podiam continuar ali, mas
elas aprenderiam a lidar com eles.
Sem querer fazer uma interpretação barata ou
subir além do chinelo: como qualquer pessoa que
tenha lido Freud e companhia, não raro penso nas
rasteiras que o inconsciente nos passa e em quanto
nos atrapalhamos por achar que merecemos pouco.
Pessoalmente, acho que merecemos muito: nas-
cemos para ser bem mais felizes do que somos, mas
nossa cultura, nossa sociedade, nossa família não
nos contaram essa história direito. Fomos onerados
com contos de ogros sobre culpa, dívida, deveres e...
mais culpa.
Um psicanalista me disse um dia:
– Minha profissão ajuda as pessoas a manter a
cabeça à tona d’água. Milagres ninguém faz.
Nessa tona das águas da vida, por cima da qual
nossa cabeça espia – se não naufragamos de vez –,
somos assediados por pensamentos nem sempre
muito inteligentes ou positivos sobre nós mesmos.
As armadilhas do inconsciente, que é onde nos-
so pé derrapa, talvez nos façam vislumbrar nessa
fenda obscura um letreiro que diz: "Eu não mereço
ser feliz. Quem sou eu para estar bem, ter saúde, ter
alguma segurança e alegria? Não mereço uma boa
família, afetos razoavelmente seguros, felicidade em
meio aos dissabores". Nada disso. Não nos ensina-
ram que "Deus faz sofrer a quem ama"?
Portanto, se algo começa a ir muito bem, pos-
sivelmente daremos um jeito de que desmorone – a
não ser que tenhamos aprendido a nos valorizar.
Vivemos o efeito de muita raiva acumulada, mui-
to mal-entendido nunca explicado, mágoas infantis,
obrigações excessivas e imaginárias. Somos ofus-
cados pelo danoso mito da mãe santa e da esposa
imaculada e do homem poderoso, pela miragem dos
filhos mais que perfeitos, do patrão infalível e do go-
verno sempre confiável. Sofremos sob o peso de
quanto “devemos” a todas essas entidades inventa-
das, pois, afinal, por trás delas existe apenas gente,
tão frágil quanto nós.
Esses fantasmas nos questionam, mãos na cin-
tura, sobrancelhas iradas:
– Ué, você está quase se livrando das drogas,
está quase conquistando a pessoa amada, está qua-
se equilibrando sua relação com a família, está qua-
se obtendo sucesso, vive com alguma tranquilidade
financeira... será que você merece? Veja lá!
Ouvindo isso, assustados réus, num ato nada
falho tiramos o tapete de nós mesmos e damos um
jeito de nos boicotar – coisa que aliás fazemos de-
mais nesta curta vida. Escolhemos a droga em lugar
da lucidez e da saúde; nos fechamos para os afetos
em lugar de lhes abrir espaço; corremos atarantados
em busca de mais dinheiro do que precisaríamos; se
vamos bem em uma atividade, ficamos inquietos e
queremos trocar; se uma relação floresce, viramos
críticos mordazes ou traímos o outro, dando um jeito
de podar carinho, confiança ou sensualidade.
Se a gente pudesse mudar um pouco essa pers-
pectiva, e não encarar drogas, bebida em excesso,
mentira, egoísmo e isolamento como “proibidos”, mas
como uma opção burra e destrutiva, quem sabe po-
deríamos escolher coisas que nos favorecessem. E
não passar uma vida inteira afastando o que poderia
nos dar alegria, prazer, conforto ou serenidade.
No conflitado e obscuro território do inconsciente,
que o velho sábio Freud nos ensinaria a arejar e ilu-
minar, ainda nos consideramos maus meninos e me-
ninas, crianças malcomportadas que merecem casti-
go, privação, desperdício de vida. Bom, isso também
somos nós: estranho animal que nasceu precisando
urgente de conserto.
Alguém sabe o endereço de uma oficina boa, ba-
rata, perto de casa – ah, e que não lide com notas
frias? Disponível em: <http://arquivoetc.blogspot.com.br/2005/12/
veja-lya-luft-quanto-ns-merecemos.html>. Acesso em: 16
mar. 2018.

O acento grave marca, na escrita, o fenômeno da crase,
isto é, representa a fusão de dois a.
Dessa forma, o acento indicativo da crase está corretamente empregado em:

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Fonte: TéCNICO CIENTíFICO - TECNOLOGIA DA INFORMAçãO / Banco da Amazônia S/A / 2018 / CESGRANRIO