Simulado Secretaria de Estado de Fazenda - SEFAZ/RJ | Auditor Fiscal da Receita Estadual | 2019 pre-edital | Questão 1276

Língua Portuguesa / Ocorrência de crase


Sobre a dificuldade de ler Gostaria de lhes falar não da leitura e dos riscos que ela
comporta, mas de um risco ainda maior, ou seja, da dificuldade
ou da impossibilidade de ler; gostaria de tentar lhes falar não da
leitura, mas da ilegibilidade.
Cada um de vocês terá feito a experiência daqueles
momentos nos quais gostaríamos de ler, mas não conseguimos,
nos quais nos obstinamos a folhear as páginas de um livro, mas
ele nos cai literalmente das mãos.
Gostaria de lhes sugerir que prestassem atenção aos
seus momentos de não leitura, quando o livro do mundo cai das
suas mãos, porque a impossibilidade de ler lhes diz respeito
tanto quanto a leitura e é, talvez, tanto ou mais instrutiva do que
esta.
Há também uma outra e mais radical impossibilidade de
ler, que até poucos anos atrás era, antes de tudo, comum.
Refiro-me aos analfabetos, que, há apenas um século, eram a
maioria. Um grande poeta espanhol do século 20 dedicou um
livro de poesia seu “ao analfabeto para/por quem eu escrevo”. É
importante compreender o sentido desse “para/por”.
Gostaria que vocês refletissem sobre o estatuto especial
desse livro que, na sua essência, é destinado aos olhos que
não podem lê-lo e foi escrito com uma mão que, em um certo
sentido, não sabe escrever. O poeta ou escritor que escreve
pelo/para o analfabeto tenta escrever o que não pode ser lido,
põe no papel o ilegível. Mas precisamente isso torna a sua
escrita mais interessante do que a que foi escrita somente
por/para quem sabe ler.
Há, finalmente, um outro caso de não leitura do qual
gostaria de lhes falar. Refiro-me aos livros que foram escritos e
publicados, mas estão − talvez para sempre − à espera de
serem lidos. Eu conheço − e cada um de vocês, eu acredito,
poderia citar − livros que mereciam ser lidos e não foram lidos,
ou foram lidos por pouquíssimos leitores. Eu penso que, se
esses livros eram verdadeiramente bons, não se deveria falar
de uma espera, mas de uma exigência. Esses livros não
esperam, mas exigem ser lidos, mesmo que não o tenham sido
ou não o serão jamais.
Mas agora gostaria de dar um conselho aos editores e
àqueles que se ocupam de livros: parem de olhar para as
infames, sim, infames classificações de livros mais vendidos e −
presume-se − mais lidos e tentem construir em vez disso na
mente de vocês uma classificação dos livros que exigem ser
lidos. Só uma editora fundada nessa classificação mental
poderia fazer o livro sair da crise que − pelo que ouço ser dito e
repetido − está atravessando. (Adaptado de: AGAMBEN, Giorgio. Sobre a dificuldade de ler.
Trad. de Cláudio Oliveira. Revista Cult, ano 16, n. 180. São
Paulo: Bregantini, junho de 2013. p. 46 e 47)

No trecho Refiro-me aos livros que foram escritos e publicados, mas estão – talvez para sempre – à espera de serem lidos (6º parágrafo), o uso do acento de crase obedece à mesma regra seguida em:

Voltar à pagina de tópicos Próxima

Fonte: TéCNICO EM GESTãO / SABESP / 2014 / FCC