Simulado Polícia Militar do Estado de São Paulo - PMESP | Soldado PM 2ª Classe | 2019 pre-edital | Questão 165

Língua Portuguesa / Sentido próprio e figurado das palavras


Passei dois anos escrevendo o livro que acabo de
terminar. A tarefa não foi realizada em tempo integral, mas
nos momentos livres que ainda me restam.
Há escritores que precisam de silêncio, solidão e
ambiente adequado para a prática do ofício. Se fosse esperar
por essas condições, teria demorado 20 anos para publicá-lo,
tempo de vida de que não disponho, infelizmente.
Por força da necessidade, aprendi a escrever em qualquer
lugar em que haja espaço para sentar com o computador.
Por exemplo, nas salas de embarque durante as viagens de
bate e volta que sou obrigado a fazer. Consigo me concentrar
apesar das vozes esganiçadas que anunciam os voos, os
atrasos, as trocas de portões, a ordem nas filas, os nomes
dos retardatários.
Mal o avião levanta voo, puxo a mesinha e abro o
computador. Estou nas nuvens, às portas do paraíso celestial.
O telefone não vai tocar, ninguém me cobrará o texto que
prometi, a presença na palestra para a qual fui convidado, os
e-mails atrasados.
Minha carreira de escritor começou com “Estação
Carandiru”, publicado quando eu tinha 56 anos. Foi tão
grande o prazer de contar aquelas histórias, que senti ódio de
mim mesmo por ter vivido meio século sem escrever livros.
A dificuldade vinha da timidez e da autocrítica. Para
mim, o que eu escrevesse seria fatalmente comparado
com Machado de Assis, Gógol, Faulkner, Joyce, Pushkin,
Turgenev ou Dante Alighieri. Depois do que disseram esses e
outros gênios, que livro valeria a pena ser escrito?
A resposta encontrei em “On Writing”, livro que reúne
entrevistas e textos de Ernest Hemingway sobre o ato de
escrever. Em conversa com um estudante, Hemingway diz
que, ao escritor de nossos tempos, cabem duas alternativas:
escrever melhor do que os grandes mestres já falecidos ou
contar histórias que nunca foram contadas.
De fato, se eu escrevesse melhor do que Machado de
Assis, poderia recriar personagens como Dom Casmurro ou
descrever com mais poesia o olhar de ressaca de Capitu.
Restava a outra alternativa: a vida numa cadeia com mais
de 7.000 presidiários, na cidade de São Paulo, nas últimas
décadas do século 20, não poderia ser descrita por Tchékhov,
Homero ou pelo padre Antonio Vieira. O médico que atendia
pacientes no Carandiru havia dez anos era quem reunia as
condições para fazê-lo.
Seguindo o mesmo critério, publiquei outros livros. Às
cotoveladas, a literatura abriu espaço em minha agenda.
Há escritores talentosos que se queixam dos tormentos e
da angústia inerentes ao processo de criação. Não é o meu
caso, escrever só me traz alegria.
Diante da tela do computador, fico atrás das palavras,
encontro algumas, apago outras, corrijo, leio e releio até sentir
que o texto está pronto. Às vezes, ficou melhor do que eu
imaginava. Nesse momento sou invadido por uma sensação
de felicidade plena que vai e volta por vários dias. (www.folha.uol.com.br, 13.05.2017. Adaptado)

Verifica-se o emprego de palavras com sentido figurado
em:

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Fonte: SOLDADO PM DE 2ª CLASSE / Polícia Militar/SP / 2017 / VUNESP