Simulado Tribunal Regional Federal - 4ª Região | Técnico Judiciário - Área Administrativa | 2019 pre-edital | Questão 355

Português / Intelecção de texto


Toda utopia, desde a criação do termo por Thomas Morus, há quinhentos anos, anda junto com um projeto de urbanização. É
difícil planejar uma cidade e resistir à tentação de formular um projeto de sociedade. Mais que isso, se Severo Sarduy tem razão ao
afirmar que a cidade passa a ser cartografada, quando, durante a Renascença, deixa de ser imediatamente visível em sua inteireza,
quando escapa ao olhar direto, então o ato de cartografar a cidade é simultâneo ao de planejá-la. Ver a cidade como um todo e criá-la
nova obedecem a um mesmo movimento.
É conhecida a oposição que, em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda tece entre as cidades da América hispânica e
as da América portuguesa. As cidades hispano-americanas são como tabuleiros de xadrez: planejadas, com ruas perpendiculares. Já
as cidades brasileiras são semeadas nas montanhas e nos vales, seguindo ritmos naturais, que não são os das linhas retas. Pois o
Brasil central tem uma presença mais intensa das retas e perpendiculares, bem como do planejamento urbano, mas que talvez só
uma vez, com a construção da capital federal, esteja vinculado a um projeto de nova sociedade. O Brasil central e tardio rompe com o
Brasil colonial, “atrasado”. O exemplo mais significativo dessa mudança está no modo como o antigo estado de Goiás gerou três
capitais que correspondem a três momentos diferentes do planejamento urbano.
A primeira é Goiânia, fundada em 1933. É uma cidade moderna, planejada, mas não é utópica. A segunda é a capital do país.
Construída ao longo da segunda metade da década de 1950, Brasília é, sim, uma cidade utópica. Desde seu projeto inicial,
pretendeu-se efetuar uma mudança nas relações entre as pessoas que lá fossem viver; isso se tentou com dificuldade e com
fracassos, porém, de qualquer forma, houve, em Brasília, um projeto utópico. Já a terceira capital retirada do antigo território goiano é
Palmas, fundada em 1989, onde há planejamento, mas a utopia sumiu. Sessenta anos de história marcam, assim, a trajetória da
utopia no país. Esse período, entre o governo Vargas e a Constituição de 1988, assinala a ascensão e a queda de um projeto utópico.
A palavra utopia é polissêmica. Salientamos alguns de seus aspectos: o princípio teórico para a resolução dos males do
mundo, o planejamento, a urbanização. Mas a utopia não se esgota neles. Ela pode ser sinônimo de irrealismo − e, portanto, algo
positivo (o sonho, o impossível) ou negativo (o impossível, o devaneio). Pode ser o que nos leva a romper com o convencional,
impelindo-nos à ação, e pode ser o que nos impede de agir, prendendo-nos ao imaginário. (Adaptado de: RIBEIRO, Renato Janine. A boa política: Ensaios sobre a democracia na era da internet. Edição Digital. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017)

Consideradas as ideias expostas no texto, depreende-se corretamente:

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Fonte: TéCNICO JUDICIáRIO - ÁREA ADMINISTRATIVA / TRT 21ª / 2017 / FCC