Simulado Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA | Administrador | 2019 pre-edital | Questão 314

Língua Portuguesa / Semântica e estilística / Coesão e coerência


Se um cachorro “pensa” ou não, “tem consciência” ou
não, isso depende da definição escolhida. Algumas pessoas
não atribuirão “consciência” a criatura alguma que não seja ca-
paz de abstrair um conceito geral com base em fatos particula-
res e, a partir daí, aplicar o aparato da lógica formal de modo a
fazer inferências para além desses fatos. Outros conferem
“consciência” a criaturas que reconhecem seus parentes con-
sanguíneos e se recordam de locais prévios relacionados a si-
tuações de perigo ou de prazer. Pelo primeiro critério, os cães
não têm consciência; pelo segundo, têm. Mas os cães permane-
cem sendo cães e sentindo aquilo que sentem, sem levar em
consideração os rótulos escolhidos por nós.
No contexto dos esforços internacionais para conservar
a biodiversidade, essa questão assume uma importância cen-
tral, uma vez que o argumento clássico sobre os motivos pelos
quais uma criatura supostamente decente e moral como o
Homo sapiens pode maltratar e até mesmo exterminar outras
espécies se assenta sobre uma posição extrema num
continuum. A tradição cartesiana, formulada explicitamente no
século XVII, mas presente, sem dúvida, numa forma “popular”
ou em outras versões, ao longo de toda história humana, sus-
tenta que os outros animais são pouco mais que máquinas des-
providas de sentimentos e que apenas os homens gozam de
“consciência”, não importa como ela seja definida. Nas versões
radicais dessa teoria, até mesmo a dor e o sofrimento manifes-
tos de outros mamíferos (tão palpáveis para nós, e da maneira
mais visceral, uma vez que as expressões vocais e faciais des-
ses parentes evolutivos próximos são semelhantes às nossas
próprias reações aos mesmos estímulos) nada mais sinalizam
do que uma resposta automática sem nenhuma representação
interna em termos de sentimento − porque os outros animais
não têm consciência alguma. Assim, levando adiante esse argu-
mento, poderíamos nos preocupar com a extinção em função de
outras razões, mas não em virtude de alguma espécie de dor ou
sofrimento associado a essas mortes inevitáveis.
Não acredito que muitas pessoas sustentem nos dias de
hoje uma versão tão forte da posição cartesiana, mas a tradição
de se considerar os animais “inferiores” como “menos capazes
de sentir” certamente persiste como um paliativo que ajuda a
justificar nossa rapacidade − do mesmo modo como os nossos
ancestrais racistas argumentavam que os “insensíveis” índios
eram incapazes de experimentar alguma forma de dor concei-
tual ou filosófica pela perda de seu ambiente ou modo de vida
(desde que os territórios reservados suprissem suas neces-
sidades corporais de alimento e segurança), e que os “primiti-
vos” africanos não lamentariam a terra natal e a família abando-
nadas à força uma vez que a escravidão lhes assegurasse a
sobrevivência do ponto de vista físico. (Adaptado de: Stephen Jay Gould. A montanha de moluscos
de Leonardo da Vinci. Trad. de Rejane Rubino. S.Paulo: Cia.
das Letras, 2003. p.465-6)

Não acredito que muitas pessoas sustentem nos dias de hoje uma versão tão forte da posição cartesiana, mas a tradição de se considerar os animais “inferiores” como “menos capazes de sentir” certamente persiste como um paliativo que ajuda a justificar nossa rapacidade − do mesmo modo como os nossos ancestrais racistas argumentavam que os “insensíveis” índios eram incapazes de experimentar alguma forma de dor conceitual ou filosófica pela perda de seu ambiente ou modo de vida (desde que os territórios reservados suprissem suas necessidades corporais de alimento e segurança), e que os “primitivos” africanos não lamentariam a terra natal e a família abandonadas à força uma vez que a escravidão lhes assegurasse a sobrevivência do ponto de vista físico.

Mantém-se clara e correta a redação da frase acima caso, sem qualquer outra alteração, os elementos sublinhados sejam substituídos, respectivamente, por:

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Fonte: ANALISTA JUDICIáRIO - ÁREA JUDICIáRIA / TRT 18ª / 2013 / FCC