Simulado Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH | Cargo: 900 - Assistente Administrativo | 2019 | Questão 49

Língua Portuguesa / Compreensão e interpretação de textos


Texto I
A Rua
(Fragmento) EU AMO A RUA. Esse sentimento de natureza toda
íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e
razões não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto
e assim exagerado é partilhado por todos vós. Nós somos
irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas cidades, nas
aldeias, nos povoados, não porque soframos, com a dor e os
desprazeres[...], mas porque nos une, nivela e agremia o amor
da rua.
(...) a rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma!
(...) a rua é a agasalhadora da miséria. Os desgraçados não
se sentem de todo sem o auxílio dos deuses enquanto diante
dos seus olhos uma rua abre para outra rua (...).
A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há
suor humano na argamassa do seu calçamento. Cada casa que
se ergue é feita do esforço exaustivo de muitos seres, e haveis
de ter visto pedreiros e canteiros, ao erguer as pedras para
as frontarias, cantarem, cobertos de suor, uma melopeia tão
triste que pelo ar parece um arquejante soluço. A rua sente nos
nervos essa miséria da criação, e por isso é a mais igualitária,
a mais socialista, a mais niveladora das obras humanas. (...)
A rua é a eterna imagem da ingenuidade. Comete crimes,
desvaria à noite, treme com a febre dos delírios, para ela
como para as crianças a aurora é sempre formosa, para ela
não há o despertar triste, e quando o sol desponta e ela abre
os olhos esquecida das próprias ações, é (...) tão modesta, tão
lavada, tão risonha, que parece papaguear com o céu e com
os anjos...
A rua faz as celebridades e as revoltas, a rua criou um
tipo universal, tipo que vive em cada aspecto urbano, em cada
detalhe, em cada praça, tipo diabólico que tem, dos gnomos
e dos silfos das florestas, tipo proteiforme, feito de risos e
de lágrimas, de patifarias e de crimes irresponsáveis, de
abandonoedeinéditafilosofia,tipoesquisitoeambíguocom
saltos de felino e risos de navalha, o prodígio de uma criança
mais sabida e cética que os velhos de setenta invernos, mas
cuja ingenuidade é perpétua, voz que dá o apelido fatal aos
potentados e nunca teve preocupações, criatura que pede
como se fosse natural pedir, aclama sem interesse, e pode
rir, francamente, depois de ter conhecido todos os males da
cidade, poeira d’oiro que se faz lama e torna a ser poeira – a
rua criou o garoto! RIO, João do. A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, pp. 28–31.

Vocabulário

Agremia: do verbo agremiar; juntar num mesmo grupo.

Canteiros: pedreiros responsáveis pelas construções com pedra.

Frontarias: fachada principal; frente.

Melopeia: melodia; canção melodiosa.

Silfos: seres mágicos do ar presente em mitologias europeias.

Proteiforme: que muda de forma frequentemente.

Potentados: majestades; maiorais; pessoas de grande poder.

Ao tratar da rua, nota-se que o autor privilegia uma
abordagemessencialmente:

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Fonte: SOLDADO / Polícia Militar/SE / 2018 / IBFC