Simulado Polícia Civil de São Paulo - PCSP | Escrivão de Polícia | 2020 | Questão 382

Língua Portuguesa / Vícios e figuras de linguagem; Figuras de sintaxe


O cansaço democrático Quem disse que a democracia era eterna? Ninguém.
Mas palpita ainda no coração do homem civilizado a crença
de que essa forma de governo estará entre nós até ao fim
dos tempos.
Uma ideia tão otimista seria risível à luz da história do
pensamento político. Platão é o exemplo mais extremo: a
democracia faz parte de um movimento cíclico de regimes – e,
para ele, é uma forma degenerada de governo.
Depois da democracia, haverá um tirano para pôr ordem
no pardieiro; e, depois do tirano, haverá novamente uma aris-
tocracia, que será suplantada por uma timocracia, que será
suplantada por uma oligarquia, até a democracia regressar.
Nada perdura.
É precisamente esse pensamento lúgubre que percorre
uma moda editorial recente – livros sobre o fim, real ou ima-
ginário, da democracia liberal.
Em seu recente “How Democracy Ends”, David Runciman
lida com os contornos desse hipotético fim: se a democracia
chegar ao seu termo, não teremos uma repetição da década de
1930, defende. Não teremos violência de massas, movimentos
armados, tanques nas ruas. Vivemos em sociedades radical-
mente diferentes – mais afluentes, envelhecidas, c onectadas.
E, além disso, conhecemos o preço da brutalidade autoritária e
totalitária. As nostalgias reacionárias são coisa de jovens: eles
desejam o que ignoram e ignoram o que desejam.
Mas se os “golpes tradicionais” são improváveis, há for-
mas invisíveis de conseguir o mesmo objetivo: pela gradual
suspensão da ordem legal; pelo recurso a eleições fraudulen-
tas; pela marginalização dos freios e contrapesos do regime.
A democracia só sobrevive porque somos capazes de
gerir as nossas frustrações quando os resultados nos são
desfavoráveis. Essa tolerância diminui de ano para ano.
E diminui sob o chicote das redes sociais. Runciman
acredita que o principal problema do mundo virtual está no
poder praticamente ilimitado que os gigantes tecnológicos
exercem sobre os usuários.
Pessoalmente, o meu temor é outro: o poder praticamente
ilimitado que os usuários exercem sobre os poderes Executivo,
Legislativo e até Judiciário. A democracia representativa, como
a expressão sugere, sempre foi um compromisso feliz entre a
vontade do povo e a capacidade dos mais preparados de filtrar
as irracionalidades do povo.
O filtro perdeu-se com essa espécie de “democracia direta”
que é exercida pela multidão sobre os agentes políticos.
Para que não restem dúvidas: não acredito em formas de
governo eternas. Mas, até prova em contrário, a democracia
liberal é o único regime que garante a liberdade política e a
dignidade pessoal dos indivíduos, bem como a prosperidade
sustentada das suas sociedades. A história ilustra a tese.
Mas a história do presente também nos mostra que cres-
ce no Ocidente um certo “cansaço democrático”. E que par-
tes crescentes do eleitorado, por ignorância ou desespero,
estão dispostas a trocar a liberdade e a dignidade da demo-
cracia por expedientes mais radicais e securitários. Por quê?
Devolvo a palavra a David Runciman. Para o autor, a
democracia disseminou-se nos últimos dois séculos porque
havia uma narrativa aspiracional a cumprir.
Era necessário dar voz política a todos os cidadãos
(p obres, mulheres, negros etc.) e integrá-los na mesma
rede de direitos e deveres (a grande tarefa do pós-Segunda
Guerra). Os Estados tinham ainda recursos materiais e insti-
tucionais para cumprir com razoável êxito esse programa. Eis
a ironia: o cansaço democrático explica-se pelo sucesso da
própria experiência democrática.
Ninguém sabe como será o futuro dessa experiência –
para Runciman, a democracia vive a crise da meia-idade.
Resta saber se essa crise destrói o casamento ou o torna
mais forte.
É uma boa metáfora. Que convida a outra: o casamento
só irá sobreviver se a maioria conseguir redescobrir, com
novos olhos, as virtudes que permanecem no lar. (João Pereira Coutinho. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/>.
Acesso em: 24 jul 2018. Adaptado)

No contexto dos dois últimos parágrafos, o autor faz
referência a “uma boa metáfora”, figura de linguagem que
se caracteriza por

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Fonte: ANALISTA JURíDICO / MPE/SP / 2018 / VUNESP